terça-feira, 13 de março de 2012

Livre da humanidade

Idi Amin era cidadão honorário de Belo Horizonte, homenagem que ele poderia recusar, com todo o direito, recusar, porque às vezes me parecia indiferente à raça humana e nunca viu uma rua sequer dessa cidade. Seu olhar, às vezes, demonstrava empáfia. Mas não era exatamente. Podia ser banzo. Quem veio da África, contra a vontade ou não, e até nós, com raízes no solo africano, nos sentimos, de vez em quando, absortos, com a mente longínqua e expressão nostálgica. Às vezes Idi Amin se comportava com nobreza. Por que não? Com 39 anos seria rei numa floresta tropical do centro da África. E nós aqui, cobrando, de um possível rei, palhaçadas sobre um velho e ensebado pneu, num pequeno e cercado espaço. E ainda demos a ele o nome de um sanguinário ditador, que nada tinha de nobre. Idi Amin usava os olhos para nos perguntar: "Acha que sou feliz aqui?" Se solto fosse poderia escalar o edifício Acaiaca, como fez King Kong no Empire State, não com uma loura a tira colo, mas para gritar bem alto: "Não tenho nada a ver com o mundo de vocês". Idi Amin está enfim livre do fosso, da curiosidade geral e da nossa ilusão de que deixaria um herdeiro para viver eternamente na clausura. Ele vai agora para outro lugar, talvez para aquele acima das montanhas. Lá, como dizem feiticeiros africanos, onde se pode viver na invisibilidade, imune a todos os males.


Fonte: Arnaldo Viana

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